segunda-feira, 19 de abril de 2010

“Não existe droga segura”

A diretora do instituto nacional sobre abuso de drogas afirma que nem mesmo a maconha nem muito mesmo a DMT, presente no chá do santo daime, podem ser consideradas inofensivas.

A psiquiatra mexicana Nora Volkow, 54 anos, é uma das mais importantes pesquisadoras sobre drogas no mundo. Quando, porem, o assunto são os danos neurobiológicos que essas substancias causam, Volkow pode ser considerada a numero 1. Foi a psiquiatra quem primeiro usou a tomografia para comprovar as conseqüências do uso de drogas no cérebro e foi também ela quem, nos anos 80 mostrou que, ao contrario do que se pensava ate então, a cocaína é, sim, capaz de viciar. Desde 2003 na direção do instituto nacional de abuso de drogas, nos estados unidos, Volkow esteve no Brasil no dia 25 de marco de 2010 para uma palestra na universidade federal de são Paulo. Dias antes de chegar, falou a VEJA, por telefone, de seu escritório em Rockville, próximo a Washington.

Há quinze dias, um cartunista brasileiro e seu filho foram mortos por um jovem com sintomas de esquizofrenia e que usava constantemente maconha e dimetiltriptamina (DMT), na forma de um chá conhecido como Santo Daime. Que efeitos essas drogas tem sobre um cérebro esquizofrênico? Portadores de esquizofrenia têm propensão à paranóia, e tanto a maconha quanto a DMT (presente no chá Santo Daime) agrava esse sintoma, alem de aumentar a profundidade e a freqüência das alucinações. Drogas que produzem psicoses por si próprias, como metanfetamina, maconha e LSD, podem piorar a doença mental de uma forma abrupta e veloz.

Que efeitos essas drogas produzem em um cérebro saudável? Em alguém que não tenho esquizofrenia, os efeitos relacionados com a ansiedade e com a paranóia serão, provavelmente, mais moderados. Não é incomum, porem, que pessoas saudáveis, mas com suscetibilidade maior a tais substancias,possam vir a desenvolver psicoses.


Estudos conduzidos pela senhora nos anos 80 provaram que a cocaína tinha, sim, a capacidade de viciar o usuário e de causar danos permanentes ao cérebro. Ate então, ela era considerada uma droga relativamente “segura”. Existe alguma droga que seja segura no que diz respeito à capacidade de viciar e de causar danos à saúde? Não existe droga segura, a não ser a cafeína. Como ela é estimulante e produz efeitos farmacológicos nos receptores de adenosina, é, sim, uma droga. Mas não a evidencias de que vicie nem de que seja tóxica – a não ser que você tenha problemas cardiovasculares. Ainda não sabemos se é prejudicial a crianças e adolescentes, mas para adultos não há nenhum problema.

E a maconha? Há quem veja a maconha como uma droga inofensiva. Trata-se de um erro. Comprovadamente, a maconha tem efeitos bastante danosos. Ela pode bloquear receptores neurais muito importantes. Estudos feitos em animais mostram que, expostos ao componente ativo da maconha, o tetraidrocanabinol (THC), eles deixam de produzir seus próprios canabinoides naturais (associados ao controle do apetite, memória e humor). Isso causa desde o aumento da ansiedade ate perda da memória e depressão. Claro que há pessoas que fumam maconha diariamente por toda a vida sem que sofram conseqüências negativas, assim como a quem fume cigarros ate os 100 anos de idade e não desenvolva câncer de pulmão. Mas ate agora não temos como saber quem é tolerante a droga e quem não é. Então, a maconha é, sim, perigosa.

A senhora concorda que ela seja a porta de entrada para outras drogas? Se você olhar aos dados, Vera que a maior parte dos usuários de cocaína começou com a maconha. Mas, ao olharmos os dados de quem fuma maconha, veremos que essas pessoas geralmente começaram com cigarros ou álcool. Qual seria a verdadeira droga de entrada, então? Uma das leituras sobre esta questão é que, durante a adolescência, as pessoas bebem e fumas cigarros porque esses produtos são disponíveis e são legais e, quando crescem, elas se tornam propensas a usar drogas mais pesadas. Uma leitura alternativa é que a exposição à nicotina e ao álcool na juventude faz com que as pessoas fiquem mais vulneráveis aos efeitos de outras drogas. Para mim, essa é a hipótese correta. A exposição precoce as drogas mudam à sensibilidade do sistema de recompensa do cérebro. Como esse sistema se torna menos sensível, os dependentes químicos buscam uma compensação nas drogas.

Porque em geral as pessoas começam a usar drogas na adolescência? O cérebro do adolescente é muito menos conectado do que o de um adulto. Como resultado, os adolescentes não conseguem controlar e regular a intensidade de suas emoções e desejos da mesma forma que os mais velhos. Isso faz com que viviam de maneira mais vigorosa, mas, ao mesmo tempo, assumam riscos maiores, como experimentar drogas.

O uso de drogas na adolescência é mais perigoso do que na vida adulta? Certamente, porque o cérebro de um adolescente é mais plástico e mais sensível aos estímulos externos que vão moldá-lo. A forma que seu cérebro vai tomar na idade adulta depende muito dos estímulos que você recebeu quando criança e adolescente. O risco de desenvolver o vício também é maior para o adolescente. O motivo é o mesmo: a plasticidade cerebral nessa fase, que faz com que o jovem apreenda informações muito mais facilmente do que o adulto.

Porque é tão fácil quebrar o ciclo de desejo, compulsão e perda de controle que o vicio trás? É difícil porque o cérebro, em conseqüência do uso de drogas, é modificado de maneira física. A dependência química é uma doença cerebral que muda a bioquímica, a função e a anatomia do cérebro. Ocorre da seguinte maneira: todas as drogas aumentam a concentração de dopamina no cérebro. Quando o sistema dopaminérgico é ativado vez após outra pelo consumo repetido dessas substancias, ele sofre modificações de forma que passa a não funcionar mais quando a pessoa não esta sob efeito de droga. Com isso, o usuário procura usar mais drogas – para tentar compensar esse déficit.

O que faz alguém se viciar em uma droga? Isso pode variar de pessoa para pessoa e de acordo com o tipo de droga. Mas, de modo geral, é preciso que a pessoa seja exposta a substancia repetidamente. Mesmo nessas condições, nem todos os usuários se viciam. Porem cerca de 10% deles desenvolvem o vicio depois de pouco tempo de uso. Nos casos em que isso ocorre, o usuário tem uma vulnerabilidade que pode ser de ordem biológica ou social. Isso significa que ele pode ter uma predisposição genética para o vicio ou esta sob algum tipo de stress que ajudou a disparar o gatilho da adição. Os traumas mais potentes ocorrem na infância: abandono, repetidas negligencias, abusos físicos, sexuais, convivência com pais presos ou portadores de doenças mentais. Mas é claro que nada disso resulta em vicio se a pessoa não tiver acesso às drogas.

É possível curar o vicio? Nos não podemos curá-lo atualmente, apenas trata-lo. Quando você tem uma infecção bacteriana, toma um antibiótico e esta curada. Agora, se você tem asma ou diabetes, tem de tomar algum tipo de medicamento ao longo de sua vida. É um tratamento para sua condição, não uma cura. Hoje, existem apenas tratamentos para o vicio, que combinam medicamentos e terapias comportamentais. Estamos desenvolvendo uma vacina contra o vicio de cocaína e nicotina, mas são apenas pesquisas ainda.

É possível, depois de se reabilitar, voltar a usar drogas sem se viciar? Há casos já identificados. Por muito tempo se disse, principalmente sobre o alcoolismo, que, se você é alcoólatra, nunca, mas nunca mesmo, poderá chegar perto de novo da droga em pesquisas, há evidencias de que alguns alcoólatras conseguem voltar a beber um ou dois copos de vez em quando sem se viciar, mas eles são a minoria. O problema é que não sabemos quem será capaz de se ater a apenas alguns drinques e quem vai se viciar de novo, por isso recomendamos clinicamente que todos fiquem afastados da droga.

Esta em curso no Brasil uma campanha pra descriminalizar a maconha. A senhora concorda com isso? Não concordo porque, ao descriminalizar a maconha, você estará contribuindo para que mais gente a consuma. Há quem não fume por medo da repercussão negativa que a atitude pode provocar – e descriminalizá-la significa dizer: “se você fumar, esta tudo bem”.

Um grupo de pesquisadores brasileiros esta discutindo a possibilidade de permitir o uso medicinal da maconha. Quais são os benefícios já comprovados da droga? As pesquisas mostram que canabinoides, inclusive o THC, tem algumas ações terapêuticas úteis. Por exemplo, diminui a resposta a náusea, o que é muito útil para pacientes com câncer que estão enfrentando uma quimioterapia. Outra vantagem comprovada é que eles aumentam o apetite e podem ajudar a combater a anorexia que acomete pacientes com doenças como aids, por exemplo. Alem disso, podem ter benefícios analgésicos e diminuir a pressão interna do olho, o que pode evitar um glaucoma. O que nosso instituto apregoa é que você pode ter o beneficio dos canabinoides sem os efeitos colaterais que resultam do fumo da maconha, como a perda de memória, por exemplo. Por isso, estamos encorajando o desenvolvimento de medicamentos que maximizem as propriedades terapêuticas da droga sem seus efeitos danosos. No mercado americano, já existem algumas pílulas, como a marinol, que permitem isso.

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